Nosso WhatsApp

Dermatite Psicogênica Felina ou Alopecia Psicogênica Felina

23/03/2021Blog, Dermatologia Veterinária

A alopecia psicogênica em felinos trata-se de uma psicodermatose, ou seja,  um distúrbio comportamental no qual fatores psicológicos e emocionais acarretam manifestações cutâneas. A pele, além de ser oriunda do mesmo folheto embrionário que origina o sistema nervoso, guarda com este uma comunicação direta através de mensageiros neuro-hormonais, de forma que distúrbios psicológicos podem afetar diretamente a pele e vice-versa.

A dermatite psicogênica felina pode-se manifestar por comportamentos repetitivos como lambedura excessiva, desencadeando alopecia autoinduzida; ou de comportamentos bizarros, como automordedura, autotraumatismo e até mesmo automutilação de patas, unhas e cauda. Estes comportamentos são decorrentes de um conflito, ou frustração, que fazem com que os animais permaneçam em um estado contínuo de ansiedade e estresse. Estes comportamentos repetitivos, sem propósito e prejudiciais  instalam-se como um mecanismo de alívio da ansiedade e do stress, provocados pela condição  perturbadora que o animal não consegue resolver.

Fatores ambientais como mudança no ambiente, doenças, cirurgias, mudança de rotina, mudança no convívio com outros animais e pessoas, tédio, competição com outros animais, confinamento, aglomeração, estímulos inadequados, são todas situações potencialmente deflagradoras de dermatite psicogênica. 

O comportamento repetitivo, tal qual obsessivo-compulsivo, desencadeia a liberação de opioides endógenos no sistema nervoso central, gerando simultaneamente alívio e  uma sensação de prazerosa, o que reforça a repetição do comportamento danoso.

As dermatites psicogênicas felinas são condições consideradas raras, compreendendo cerca de 3% das dermatopatias em felinos. Dentre elas, a alopecia psicogênica, também chamada de tricotilomania, parece ser a mais frequente e importante, podendo ser confundida com outros quadros dermatológicos primários que cursam com lambedura excessiva, como a alergopatias e doenças parasitárias, nas quais a lambedura excessiva é uma manifestação de prurido.

Gatos de raça pura, especialmente Siameses e Burmeses, são considerados predispostos, podendo ocorrer em qualquer raça, inclusive em gatos sem raça definida. Felinos com comportamentos nervosos, sensíveis, ansiosos, ciumentos são também mais propensos a  psicodermatoses, que podem se manifestar em qualquer fase da vida dos animais. Não há predisposição sexual relatada.

Na alopecia psicogênica felina, os tutores podem ter dificuldade em identificar que o quadro alopécico é auto induzido, isso devido ao comportamento natural de grooming dos felinos e também pelo fato deste comportamento muitas vezes ser realizado em oculto.

A falha de pelo ocorre quando o gato se lambe com intensidade suficiente para remover os pelos, mas não o suficiente para lesionar a pele, que em geral se encontra íntegra, sem sinais de inflamação. A falha de pelo pode ser completa (alopecia flanca), ou um quadro de hipotricose, onde os pelos estão curtos devido à quebra autoinduzida. A alopecia pode ser localizada,  multifocal, apenas em uma região corpórea ou generalizada. A alopecia auto induzida pode ocorrer em qualquer parte do corpo em que o gato consiga lamber, sendo mais frequentemente observada na face interna dos membros anteriores e posteriores, flanco, região inguinal, perineal e abdômen, podendo apresentar-se de forma simétrica e bilateral. Pode ocorrer mudança na coloração do pelame remanescente decorrente da saliva. Devido a da lambedura excessiva, pode ocorrer aumento da ingestão dos pelos, aumentando a frequência de vômitos de pelos, e destes nas  fezes, podendo gerar constipação.

 

A alopecia psicogênica deve ser diferenciada de outras dermatopatias que causam coceira e que também  desencadeiam alopecia auto induzida, como as alergopatias: dermatite alérgica à picada de pulgas, hipersensibilidade alimentar, dermatite atópica-símile;  as dermatites parasitárias: sarna notoédrica, queiletielose, linxacariose, demodicidose, otocariose, pediculose, puliciose e por fim, as dermatofitoses. Possíveis condições que geram dor, também devem ser investigadas e descartadas em animais com dermatites psicogênicas, pois além do prurido, a dor também pode ser responsável por um comportamento repetitivo ou bizarro, ex: animais com problema na coluna podem vir a lamber excessivamente a região dorsocaudal, animais com neuropatia que mutilam a cauda.

O diagnóstico da dermatite psicogênica é estabelecido mediante o histórico clínico, pela presença de situações estressantes potencialmente deflagradoras de psicodermatoses, associado à exclusão das dermatopatias descritas acima, que resultam em falhas de pelo autoinduzidas. Além disso, deve-se avaliar a possibilidade da existência de alguma condição física dolorosa com potencial para desencadear o comportamento repetitivo. Para a consecução do diagnóstico, além de um exame físico detalhado, também devem ser empregados exames complementares como: o tricograma, exame parasitológico, cultivo micológico e exames de imagem, para descartar possíveis condições primárias.

 

O tratamento da dermatite psicogênica é difícil e contempla a alteração do ambiente,  do comportamento e o emprego de fármacos psicotrópicos. A modificação do ambiente passa pela identificação, e se possível, correção e eliminação dos fatores geradores do conflito/frustração/ ansiedade do animal. A modificação comportamental visa ensinar o animal a lidar com a situação conflitante de forma apropriada, o que pode ser feito por técnicas de alteração de comportamento como: dessensibilização sistemática, contracondicionamento, reforços de comportamento apropriados e desestimulação de comportamentos inadequados, técnicas estas utilizadas conforme a particularidade de cada caso. Por fim, o emprego de fármacos psicotrópicos visa interromper o comportamento obsessivo-compulsivo, e deve ser considerado como coadjuvante, sendo prescritos por  período temporário, até que as modificações do ambiente e/ou comportamentais possam ser realizadas. Os fármacos normalmente utilizados na diminuição da ansiedade, são os antidepressivos tricíclicos, como a: clomipramina, amitriptilina, doxepina, e aqueles inibidores da recaptação da serotonina, como a: fluoxetina e paroxetina. Em alguns animais, o tratamento pode ser interrompido após 3 a 6 meses do início do tratamento sem recidivas do quadro, em outros animais, porém, o tratamento precisa ser mantido por tempo indeterminado. Além dos fármacos psicotrópicos, a utilização do feromônio facial sintético felino no ambiente em que o animal está inserido também auxilia na diminuição da ansiedade. 

Para o sucesso do tratamento da dermatite psicogênica felina, é essencial  comprometimento do tutor na correção dos fatores ambientais e comportamentais dos felinos, caso contrário, o problema pode persistir mesmo com manipulação farmacológica, ou pode recidivar  e até mesmo evoluir para novos comportamentos inadequados após a suspensão dos fármacos psicotrópicos. 

O conhecimento e o respeito às características e peculiaridades do comportamento da espécie felina por parte dos tutores, podem evitar o aparecimento de muitos dos distúrbios psicológicos. Desta forma, os médicos veterinários assumem um papel importante, no que tange à orientação quanto às características psicocossociais dos felinos aos tutores, de forma que as interações e o ambiente de convivência entre eles sejam harmoniosos.

 

 

Artigo originalmente publicado em:

Dermatologia em foco vol 4 n 01 2020 pg 9-12

Texto de:

M.V. Dra Camila Domingues

Responsável pelo atendimento em Dermatologia Veterinária
na UniCare Vet Especialidades Veterinárias